terça-feira, 19 de maio de 2009

A beleza de um arroz de china.


Comer bem é um prazer extremamente democrático. É possível fazê-lo gastando bem pouco, exercendo a criatividade e afiando a atenção aos detalhes. Aliás, atenção aos detalhes é fundamental na cozinha, penso eu.

Pois bem: o post de hoje fala de um prato que tenho verdadeira loucura, e é um ícone do estilo BBB (Bom, Bonito e Barato): é o arroz de china, ou arroz de china pobre. É como chamamos aqui no Rio Grande do Sul o risoto de linguiça.

Há quem não goste, ok. Talvez a mesma bronca que várias pessoas têm pelo carreteiro. Eu particularmente acho que a diferença entre um ótimo resultado final e um "meia-boca" seja cheio de sutilezas. O diabo mora no detalhe, diz o ditado.

Primeiro ponto: a panela. Pode parecer bobagem, mas eu não abro mão de uma panela de ferro para preparar um bom arroz de china. Além da comprovada liberação de ferro para comida ser benéfica para saúde, o gosto que passa para os alimentos é um tempero delicioso. Um saborzinho que lembra fumaça, quase amargo, mas bem equilibrado, sutil.

Panela escolhida, vamos aos ingredientes. Não é à toa que existem linguiças que custam R$ 5,00 por quilo e outras que custam R$ 15,00. Acreditem em quem já trabalhou na indústria: a diferença no preço quase sempre reflete a diferença na qualidade dos ingredientes. As linguiças baratas são basicamente CMS (carne mecanicamente separada) de aves, gordura suína e água. Além de uma porrada de químicos para dar “gostinho” de linguiça. Já as de boa qualidade vão ter carne suína, menos gordura, ervas desidratadas e temperos decentes, como pimenta ou páprica, na fabricação. Como estamos falando de uns 100g de linguiça por pessoa, o custo adicional de uma linguiça de ótima qualidade em relação a uma verdadeira bomba é de cerca de R$ 1,00 por pessoa. Vale, né?

Outro ingrediente que merece atenção é o extrato de tomate. Para quatro pessoas, não se gasta mais que meia lata para dar aquela corzinha bonita, que vai ficar ainda mais viva se a exigência da panela de ferro for respeitada. O problema é que o extrato de tomate dá cor, mas adoça demais o prato. Além do que, não sejamos ingênuos, né? Aquele vermelho vivo é garantido muito mais pelo corante adicionado do que pelos tomates que passaram por ali. Aqui a minha sugestão é um pouquinho mais cara, mas nada que assuste: no supermercado, pertinho dos extratos de tomate, tem sempre duas ou três marcas de TOMATES PELADOS. Algo em torno de R$ 2,50 por lata, normalmente, mas eu aproveito para comprar várias quando alguma marca entra em promoção por alguma coisa abaixo de R$ 2,00. É um ingrediente versátil, prático, e que ganha de goleada do extrato de tomate, por apenas R$ 0,50 por pessoa a mais na conta.

Vamos ao que interessa! O meu arroz de china, para quatro pessoas, fica assim:

400g de uma boa linguiça cortada em rodelas
1 lata de tomates pelados
1 cebola pequena picadinha
1 punhado generoso de temperinho verde picadinho
1 ½ xícara de arroz branco

Refogo a linguiça sem óleo. À medida que ela esquenta vai refogando na sua própria gordura, que já é suficiente. Aí reservo. No “sujinho” da panela, refogo a cebola em fogo médio, cuidando pra não queimar. Quando estiver dourada, jogo de volta a linguiça e coloco o arroz. Deixo o arroz dar uma refogadinha de leve, e coloco os tomates pelados, com suco e tudo. Dá pra dar uma rasgada nos tomates, com a colher mesmo, para eles não ficarem tão inteiros. E aí vão três xícaras de água, já morna pra ganhar tempo. Dou aquela mexidinha e provo a água. Essa água é que vai me dizer o quanto de sal devo colocar. Aí é beeeem subjetivo, mas... vá lá: a água tem que estar um pouquinho salgada, mas sem exagero. Conforme o arroz cozinha, ele absorve esse sal. E bem que se diga: a quantidade de sal varia conforme a linguiça.

Fogo baixo pra cozinhar o arroz é fundamental. A pressa aqui é inimiga da perfeição. Não queremos que o arroz torre embaixo e amargue demais o prato, certo? Quando estiver no ponto, coloco o temperinho verde e misturo. E levo correndo para a mesa, que o perfume do temperinho ainda fresco deixa o pessoal salivando de expectativa. Ah, não dá pra esquecer: OBRIGATÓRIO servir na própria panela. Passar para uma travessa é uma heresia, um crime hediondo. Inafiançável!

Simples assim... e gostoso demais!

Quero lançar uma enquete aos nossos queridos leitores: que pratos vocês consideram BBB? Que truques fazem pra deixá-los especiais? Opinem! Comentem! Participem!


15 comentários:

Mosca 1 disse...

Imagino como deva ser o arroz de gaúcho na China...

Maria Gotinha disse...

Camelo Carmelo está de olho...

Maria Gotinha disse...

mham... deu fome!! ADORO arroz de china pobre. Tô com água na boca....

Cunhada Gotinha disse...

Sabe o que eu mais gostei? Além da defesa da panela de ferro (vale a pena colecionar todos os tamanhos e formas), adorei essa atenção que deste ao custo da receita, não só para reforçar a qualidade de receita barata, mas a proporção dos produtos utilizados.
Bj.

Carlos Massena disse...

Assim não dá. Tou louco de fome, contando os minutos para o meio-dia e vocês vem me torturar.
Qual o vinho para acompanhar esta rica bóia ?
Um abraço.

CARLOS O S MASSENA

Rodrigo Rosa de Souza disse...

Amigos, parabéns pelo blog, pelos textos e pela iniciativa. É uma delícia ler as receitas e os relatos dos sabores e sensações. Correndo o risco de ser totalmente redundante, pois todos devem ter feito o mesmo, me escalo para participar da confraria, caso ainda existam vagas, hehe :o)

Um forte abraço, Rodrigo

Jean disse...

Bueno, pra dar um gostinho, gostaria de sugerir a versão apócrifa do arroz de china (tb conhecido pro arroz de puta pobre). É um pouco mais roots: depois daquele clássico churrascão de domingo ao 1/2 dia, guarda as carnes que sobraram. Domingo a noite, pica essas carnes em cubinhos (vele misturar costela com alcatra com picanha com whatever) e dá aquela re-refogada com ou sem a referida linguiça). O resto é igual ao belo arroz de china do Sandro!

Gnomo disse...

Temos que mudar de tática, essa história de publicar os textos perto do almoço está afetando a todos, hahaha. Bah, agora só penso em comer um arroz de china velha.

Jean disse...

Ué, quem se habilita? Lá em casa tá liberado!

Goutas disse...

Texto sensacional. Revela um chef cuidadoso e dedicado. Só senti falta de uma foto do arroz de china pobre.

Sandro disse...

Buenas!

Cunhada Gotinha, minha mulher me chama de "Zé Custo-Benefício". Não adianta, tá no meu sangue fazer essas contas. Que bom que mais gente gosta!

Pai, eu escolheria um Saint Felicien Cabernet-Merlot. Mas o mais importante é caprichar na companhia, né?

Mato, pode participar da confraria com muito prazer. O "ritual de iniciação" é preparar um jantar para os confrades aprovarem, hehehe.

Jean, que eu saiba arroz de china é só com linguiça. Se tiver sobra de churrasco, aí já é carreteirão, mesmo. Ou soborô.

Gnomo, a tática de publicar os textos antes do almoço tem essa intenção mesmo!

Juju, fico devendo essa foto. Valeu a dica!

Abraço pra vocês!

Paty disse...

Curti!
Deu muita vontade de comer!
Aliás, todas as receitas até agora!
Vocês estão ótimos!
Parabéns!

CARLOS MASSENA disse...

TO COMENDO TAPIOCA E RELENDO ESTA RECEITA DE ARROZ DE CHINA POBRE. ESTA SEMANA DOU UM JEITO DE MATAR A SAUDADE DESTA CHINA.

Betinho disse...

Eu vinha acompanhando na camuflagem...
É porque estava me sentindo meio excluído, sabe como é... caviar, vinhos excêntricos, camarões aos baldes...
Com a receita de hoje me senti em casa. rsrsrsrs

Com relação à mistura do churrasco, na minha família é chamado arroz de puta pobre a sobra do churrasco JUNTO com linguiças... ou seja... uma orgia de puta mesmo

P.S. "Apócrifo" não significa "sem assinatura"?

TatiMatz disse...

Huummmmm!!!! É muito bom!!! E como um bom prato popular, rico em adjetivos: Arroz de china pobre, de china velha... mas a lógica acaba sendo só uma: quanto pior a china, melhor o arroz, hahaha!!